segunda-feira, 31 de maio de 2010

UMA CRÔNICA DE ANGELO ZACCARIOTTO


clique sobre a foto para ampliá-la

Igreja de São João Batista, em Meolo
(região do Vêneto, Província de Veneza, Itália)

O “BLOG” DA XXª E AS CURVAS DO ESPAÇO-TEMPO

Nem sempre é fácil para nós, entender as noções de espaço e de tempo. Que dirá as noções do binômio espaço-tempo idealizado por Einstein. Tenho um amigo geólogo que varias vezes me falou de um tal “tempo geológico”, tentando me explicar como se formaram as rochas, os sedimentos, os cristais, etc. È um tempo inimaginável para nós mortais, absurdamente grande. E, no entanto, ínfimo se comparado com tempos universais.

O problema é que partimos sempre da perspectiva humana, a nossa perspectiva. Sob essa óptica, o tempo até nos parece simples. Temos o dia e a noite, as estações... Aproximadamente tudo se repete ao longo de cada ano. Civilizações antigas e sem recursos tecnológicos já observavam isto. Tudo funciona bem se o observador permanecer na terra e por um tempo limitado à sua própria existência. Vamos ficar no nosso planeta para não complicar.

Mas, quanto tempo dura uma vida humana? Quanto tempo dura uma geração? Na minha família, por exemplo, meu bisavô nasceu em 1853, meu avô em 1895, meu pai em 1939, eu em 1952, minha filha em 1977 e minha neta agora, em 2009. Foram seis gerações em 156 anos. Neste exemplo tivemos uma geração a cada 26 anos, em média.

Isto representa apenas um terço de nossa expectativa de vida. No entanto, influenciados por múltiplos fatores, em especial pela mudança dos costumes, temos, muitas vezes, a impressão de um lapso de tempo muito grande entre as gerações. Quem de nós, na juventude, não achava os pais muito velhos, anacrônicos, “de outra geração”?

Mas tudo é sempre muito relativo. Às vezes a mudança de perspectiva faz alterar nossa avaliação do tempo.

Há alguns anos, quando visitei as ruínas de Pompeia e Herculano, cidades que, como sabem, foram soterradas pela chuva de cinzas e lavas do Vesúvio em 79 DC, tive uma outra visão, que foi para mim surpreendente:

— Primeiro que quase 2000 anos sempre me pareceu muito tempo: “Do tempo de Cristo”, é mole? Eu não imaginava (ignorância minha) que há tanto tempo as cidades já tinham ruas organizadas, encanamento de água e esgoto, etc... Isto para dizer o mínimo.

— Segundo, e mais importante, que pude ter ali uma noção muito fiel dos costumes da época. Porque, na catástrofe, tudo aconteceu muito de repente e as pessoas morreram como que paralisadas em suas atividades e as cenas cotidianas ficaram praticamente preservadas.

Todas as fraquezas humanas e sonhos de consumo estavam ali retratados de modo muito atual. Pude imaginar as pessoas em volta daquele refeitório da esquina gozando da facilidade de poder comprar a comida pronta. O pão quentinho na padaria. O orgulho de ostentar aquelas paredes decoradas com maravilhosos afrescos na sala, ou aquele belo jardim na frente de casa. E o oba-oba naquela casa de banho? Será que era pra qualquer um? Será que a corrida pelo dinheiro era diferente? O que dizer daquele homem que morreu agarrado às suas moedas ao tentar se salvar fugindo, mas não sem levar consigo suas economias?

E isto há pouco menos de 2000 anos. Muito tempo? Para mim, agora não. É impressionante como saí daquelas ruínas com uma desconfortável sensação de contemporaneidade. Quantas gerações se passaram? Se o exemplo de minha família servir como base, devem ter sido 74 gerações em 1931 anos. Passaram-se 74 gerações e, na essência, o homem e sua sociedade em nada mudaram. Incrível não?

Por coincidência, na mesma viagem, pude também resgatar um pouco da história da minha família. Quanta emoção ao entrar naquela igrejinha de quatro séculos em Meolo (Vêneto) e imaginar meus bisavós se casando naquele altar. É... Foi ali mesmo. Naquele mesmo altar, sim senhor, me garantiu o pároco. Só que há 128 anos... E seis gerações atrás. Muito tempo?... Não sei. Para mim que uma semana antes passara pelo túnel do tempo em Pompeia e Herculano, definitivamente não. Sem dúvida isto é apenas um ponto de vista. De alguém que por acaso viu o tempo sob outro ângulo.

Pois é... E agora minha mais recente experiência sobre o tempo. Eu, que como tantos outros, na minha juventude via em meus pais uma geração ultrapassada, também não podia esperar que meus filhos me vissem de forma diferente. Isto é sensível em algumas discussões. Sempre conversamos muito, e conversa de Italiano com freqüência vira discussão calorosa. Nós, os mais velhos, acabamos por ceder em favor da harmonia. Acho que nossos pais também faziam o mesmo, sem que percebêssemos. Até porque os mais jovens parecem ter uma energia inesgotável para defender suas opiniões.

Paralelamente surgiu o computador e nós corremos atrás para tentarmos “falar a mesma língua” e não ficarmos ultrapassados de fato... E eis que, mais recentemente, surge o “blog” da Vigésima. E nele surgem fotos antigas dos nossos então colegas de faculdade, misturado com temas familiares recentes: eu mesmo publiquei em primeira mão as fotos do nascimento de minha primeira neta. Que ferramenta poderosa! Em uma semana recebi cerca de 40 mensagens de congratulação, desses velhos amigos, alguns dos quais eu não via há 35 anos, agora resgatados, como que num passe de mágica, pela internet. E o “blog” virou alvo de interesse da família toda. E nossos filhos, que já não são mais tão jovens, experimentaram uma certa intimidade com esses nossos amigos e descobriram que eles não são tão ultrapassados assim. Que são legais, pelas fotos ousados até: cabeludos, calças boca de sino conforme a moda da época, não raro com um copo na mão. Que têm sentimentos como os deles próprios (isto não me foi dito expressamente... mas foi esta a minha percepção). Parece que o “blog” funcionou como uma ponte aproximando as gerações.

É que na verdade o tal abismo não existe, ou melhor, é apenas passageiro. Ele é fruto de nossa evolução pessoal dentro da nossa própria geração. Somos todos iguais desde sempre. Amamos e temos nossas fraquezas desde sempre.

A linha do tempo talvez não seja mesmo uma reta.

Talvez seja contínua como toda linha, mas curva, sinuosa até. Não reta. Dependendo do jeito de olhar, do modo que nos posicionamos, ela pode ser dobrada e o passado pode ser visto muito mais perto do que imaginamos... Nas dobras do espaço-tempo.

Angelo H C Zaccariotto
25 de maio de 2010.
_____________________________

Sentimo-nos muito contentes por poder publicar essa belíssima crônica escrita pelo colega Angelo Hugo Conto Zaccariotto; temos esperança de que outros companheiros da XX Turma da Faculdade de Medicina de Sorocaba se animem a produzir textos a serem compartilhados por todos nós; afinal, como temos dito em diversas ocasiões, este blogue foi criado para ser, primordialmente, um canal de comunicação entre os colegas da XX Turma, de forma a estreitar os laços que nos unem e que nos tornam uma enorme e afetuosa família.

Parabéns, caro Angelo, e obrigado a você por dividir conosco essas reflexões!

Nenhum comentário: